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sábado, 22 de junho de 2013

Tradição, Vanguarda e Ousadia - onde se aplicam a um Chef de cozinha.



“Tradição (do latim: traditio, tradere = entregar; em grego, na acepção religiosa do termo, a expressão é paradosis παραδοσις) é a transmissão de práticas ou de valores espirituais de geração em geração, o conjunto das crenças de um povo, algo que é seguido conservadoramente e com respeito através das gerações”.
“A tradição e sua presença na sociedade baseiam-se em dois pressupostos antropológicos: a) as pessoas são mortais; b) a necessidade de haver um nexo de conhecimento entre as gerações”.
“Os aspectos específicos da tradição devem ser vistos em seus contextos próprios: tradição cultural, tradição religiosa, tradição familiar e outras formas de perenizar conceitos, experiências e práticas entre as gerações. A tradição toma feições peculiares em cada crença”.
 Vanguarda (deriva do francês avant-garde) em sentido literal faz referência ao batalhão militar que precede as tropas em ataque durante uma batalha. Daí deduz-se que vanguarda é aquilo que "está à frente". Desta forma, todo aquele que está à frente de algo e, portanto aquele que está à frente do seu tempo em uma atitude poderia se intitular como pertencente a uma vanguarda”.

“Ousadia - Atrevimento, audácia. Coragem, temeridade; galhardia”.
Conceitos de base sócios cultural, que inferem aos Chef’s de Cozinha, títulos ou notoriedade aos que se destaquem por competência reconhecida e aos que pela falta de são expostos de maneira diferenciada.  Neste Campo de saber, não importando a chancela de sua formação acadêmica ou de experiência autodidata, um ponto é básico e imaculado. Refiro-me à “tradição” dos “clássicos”.

O que temos então quando estas três situações se encontram na prática de um profissional de cozinha?  Aprendem-se os clássicos, das cozinhas mais importantes da gastronomia mundial, da francesa, da italiana, da espanhola, da portuguesa, da judaica e de tantas outras; colocam-se à disposição as mais modernas técnicas de preparo, transformação através do cozimento em baixa temperatura, das fermentações de curta e longa duração e dos fornos de alto desempenho. Ai tem-se os vanguardistas que se despontam pelas suas ideias de que nada se assemelham as de Colombo, em simplesmente colocar um ovo em pé, mas invadem os salões com nomenclaturas de desconstrução, de releitura de reduções e emulsões surreais dentro do universo da gastronomia que sai das cozinhas e faz uma viagem insólita pelos laboratórios de química. E acompanhando estas linhas de tendências, algumas que são chamadas até de futuristas erradamente, pois na década de 70, a Agência Espacial Norte Americana já aplicava algumas delas no preparo das alimentações de seus astronautas e na época nem eram denominadas de gastronomia, mas de dieta espacial.  E os abusos, onde aparecem?  A cada dia, pois alguns destes cozinheiros perdem a noção dos limites da verdadeira gastronomia e acaba por se perderem no cenário real das cozinhas mundo a fora.  Combinações nada ortodoxas que não podem fazer parte de um cardápio convencional acabam se passando por sósias do Chapeleiro Louco do País de Alice.


Nomenclaturas de pratos clássicos não podem ser alteradas a título de características de vanguarda ou de ousadia.  Neste caso, esta aplicação de comportamento é vista como abuso e falta de respeito e conhecimento.

Interpretar e dar novas formas utilizando-se dos mesmos ingredientes é uma tendência de experimentação. Uma ferramenta de aplicabilidade de técnicas modernas de preparo.  Salutar desde que “não seja citado como o Clássico” que seja apresentada a técnica de preparo, não omitindo e nem adulterando o nome de origem e seus ingredientes básicos.

É no mínimo estranha a forma com que alguns classificam suas apresentações como sendo clássicos, e com ingredientes adversos e que nem se encontram na região ou na época do ano em que dizem que prepararam. Descaracterizando a cultura, o conhecimento e o preparo do prato.  Erros básicos de amadorismo ou de quem quer demonstrar conhecimento e não se preparou para tal. Na atividade de cozinheiro Chef estes detalhes tem de ser muito bem monitorados e muito estudados.  Ninguém sabe tudo, mas buscar a informação correta é dever e característica fundamental de quem se paramenta e esta à frente de uma brigada na área de produção ou mesmo na área acadêmica como professor.

Quando um profissional de conhecimentos técnicos se posta a chefiar, principalmente na gestão de uma casa onde a tradição foi trabalhada ao longo de décadas, e mantém o sucesso contínuo, o que se espera dentro desta formatação clássica? Postura ética, respeito à tradição e inovação com toques de vanguarda. Tudo muito bem dosado e equilibrado. Investigação permanente sobre produtos e processos é fundamental, não se trata de simples curiosidade. Conhecer ingredientes e seus métodos de preparo e origens faz deste profissional alguém de respeito e responsabilidade. Não se pode deixar que a arrogância adquirida e de que pelo fato de possuir uma certificação de uma chancela se sobreponha aos princípios básicos da cozinha.
Inovar é mudar sim, mas a essência deve permanecer, há de se manter a assertividade, a sabedoria e ter o conhecimento da cultura que esta sendo trabalhada. É a bandeira de uma casa, de uma cozinha seja ela de que nacionalidade for. Não posso preparar um prato com carneiro ou cordeiro à moda árabe e lançar mão de um buque garni suave e delicado sem me lembrar das pimentas e de outras especiarias, não posso preparar uma pasta típica italiana e usar como base uma farinha de milho; como não posso ser um aventureiro na centenária e tradicional delicada cozinha japonesa preparando um Missoshiro, e apresentar com queijo Minas Frescal substituindo o Tofu.

Alguns se confundem na cozinha, esta condição por terem o poder de comando com a denominação de cozinha de autor. São situações, linhas de procedimento totalmente diferenciadas. Gerir e manter tradição, Cozinha de autor e em ambas as situações ser de vanguarda.

No meu entender, a formação acadêmica fica á margem destas polêmicas e contraditórias posturas do mercado gastronômico. Melhor não se comprometer a não esclarecer? Os acadêmicos deixam seus redutos com aspirações e sonhos, mas a estrada é longa, a jornada não termina com um simples término de graduação.

 Estes jovens cozinheiros se lançam mar a fora empunhando suas facas “Chef” como espadins ávidos na batalha do mercado, suas dólmãs como uniformes de guerra mas sem saber a que exército pertencem e seus aventais são bandeiras sem brasão. Já se consideram Chef’s num ovo que recém eclodiu. E se julgam que serão reconhecidos pela vanguarda do reconhecimento se mesclar ingredientes que nunca viram, nunca estudaram e que são caros e exóticos.

Neste mercado não se empurra um prato a um comensal e se considera o senhor da gastronomia.  Como eu afirmei recentemente, serpentina não é tagliatelle, contestando uma afirmação um tanto estranha aos meus olhos, onde me foi dito que na nossa área qualquer coisa passa como um “Brassato al Barolo” (Um clássico da gastronomia italiana). Faltam com o respeito, tornam-se arrogantes e prepotentes. Deve-se pensar bem antes de dizer algo.  

E na caminhada da cozinha de autor, conhecer os ingredientes é fundamental. É não se render aos atrativos e comprometedores artifícios de produtores e patrocinadores. É investigar sim suas origens e seus procedimentos de produção. Não é simplesmente achar que o produto é esteticamente atrativo ao visual da finalização de uma apresentação.  Alguns consideram o mix uma criação divina.  Divinamente absurda onde um ingrediente mata o outro no sabor e na concepção da degustação refinada. Isto denota a falta de paladar apurado do cozinheiro nos seus preparos. O que acaba por comprometer a chancela que o formou e a casa que o abriga.

Na prática, a tal Cozinha de Autor tem de demonstrar a mais alta posição de respeito, conhecimento, afinidade e amor aos ingredientes que se lista no preparo se seu prato ou apresentação, como queiram. Se o objetivo é uma comida de raiz quilombola, mantenha o foco e demonstre que conhece, e sabe o que faz na sua essência. Se for cozinha francesa, perfeito, use as técnicas, procure os ingredientes que irão lhe proporcionar um resultado digno de um mestre Escofier.  Isto é ser clássico com autoria.

E se vai preparar tentar preparar um clássico prato de emblema de uma nação, não denigra a imagem do prato.  Na origem isto pode ser considerado como ofensa.  Já vi vários comentários a respeito de risoto como sendo um prato corriqueiro e o primeiro que os aprendizes se aventuram a preparar. Ledo engano destes autodidatas da ignorância, pois técnica e experiência são fatores fundamentais neste preparo. Assim, não é um pratinho ou um risotinho preparado por um cozinheiro sem a devida cultura que terá propriedade de falar sobre esta elaboração.
E quando a vanguarda se faz presente neste contexto? É quando o Chef de cozinha, imbuído na realização de algo novo e com total demonstração de amor pelo que faz para servir aos outros, ele cria e desperta nos seus comensais a experiência do novo.

Para isto ele busca nas suas reminiscências gastronômicas, fatos e sensações vivenciadas de forma prazerosa buscando e revivendo as experiências olfativas e de seu paladar para determinar o caminho a ser trabalhado. 

Apresentar o que se conhece como ingredientes de forma a surpreender sejam pela técnica de cocção, seja pela apresentação, este novo prato vai demonstrar a sua capacidade de criação, de demonstração da inovação e da técnica de um chef de cozinha.

É exatamente neste ponto de equilíbrio que o chef deve ter a capacidade de percepção da sua criatividade e de seus limites. A alquimia da cozinha também tem limites.

Observando os referenciais da “Nouvelle Cuisine” como marco determinante de padrões de tendências e a união da “Fusion Cuisine” onde elementos de varias culturas gastronômicas passaram a integrar a formulação e o preparo de pratos mundo a fora.
Tendência de exploração de sabores pode não ser interessante e nem apropriados, para todos os pratos e ocasiões. Limites devem ser impostos e monitorados um Chef não esta acima de tudo e de todos. Ele esta ali para gerenciar e para servir bem e honestamente. Ser um profissional em que o comensal confie e recomende.

Entendo que a tradição e a vanguarda devam estar sempre em comunicação, e que os abusos devam ser o ponto focal de análise destas informações.

A ousadia esta sim na formatação deste perfil. Deve-se ousar na criatividade, na inovação de técnicas, na busca de ingredientes, temperos e sabores que despertem e que provoquem as emoções e sensações dos que à sua mesa se sentarem para degustar e se emocionarem com seus pratos ou apresentações.  Mas deve-se ter o limite e a consciência de que abusar da ousadia pode criar constrangimento. Por vezes o menos é mais e o mais é a negação do sucesso.

Um chef deve buscar sempre a personificação de algo não perfeito, mas algo que provoque  a admiração. Hipócritas, prepotentes, arrogantes não são invejados. Cozinha requer simplicidade de alma, comportamento fraternal, entusiasmo e a sabedoria do aprender.  Estar Chef é situação temporária, ela pode modificar como o clima e situações alternadas pelas intempéries da vida.


Por Carlos Baldo

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